A Festa do Sairé em Alter do Chão é, sem sombra de dúvidas, um dos eventos culturais mais fascinantes e importantes da Amazônia brasileira. Mais do que uma simples festa, trata-se de um mergulho profundo nas tradições, na história e na mitologia da região, combinando a religiosidade com o folclore vibrante. A Vila Balneária de Alter do Chão, conhecida como o “Caribe Amazônico” por suas praias de rio de areias brancas, transforma-se completamente para receber o Sairé, atraindo visitantes de todos os cantos do mundo.
O Que É a Festa do Sairé e Sua Importância Cultural
Se você busca uma experiência autêntica, longe dos circuitos turísticos mais óbvios, a Festa do Sairé é o seu destino. Este evento é o reflexo da miscigenação cultural da região, unindo elementos das tradições indígenas, da cultura portuguesa e da religiosidade católica. É uma celebração que acontece anualmente e marca o calendário de eventos do Pará com a mesma relevância do Círio de Nazaré. O Sairé não é apenas entretenimento; é a preservação de uma identidade.
História e Origem: A Raiz de Uma Tradição Milenar
A origem do Sairé é um tema que fascina historiadores e antropólogos. Remonta aos tempos da colonização, quando os jesuítas, no século XVII, utilizavam elementos das festas religiosas europeias para evangelizar os povos indígenas da Amazônia. A palavra “Sairé” tem origem controversa, mas a versão mais aceita é que deriva de um antigo rito indígena de confraternização. O evento é considerado a manifestação folclórica mais antiga da Amazônia.
Originalmente, o Sairé era uma festa de cunho estritamente religioso. Com o passar dos séculos, no entanto, ela foi absorvendo rituais locais, elementos da cultura ribeirinha e, mais tarde, o encontro competitivo dos botos. Essa fusão é o que a torna tão rica e única. Após um período de interrupção no século XX, o festival foi resgatado e reformulado em 1973, ganhando o formato grandioso que conhecemos hoje.
O Significado do Sairé: Entre o Sagrado e o Profano
O festival é dividido em duas partes distintas e igualmente importantes. A primeira, o aspecto religioso/folclórico, é centrada na dança do Sairé (o ritual em si) e nos ritos católicos. É um momento de devoção e celebração comunitária, onde se reverencia o Mastro do Sairé e se realizam procissões. A segunda parte, o espetáculo dos botos, é a manifestação “profana” e competitiva que atrai as grandes multidões.
A dança do Sairé é um ponto alto, com seus rituais que envolvem cantos e danças tradicionais em honra ao mastro enfeitado. É um momento de união da comunidade. Para o turista, presenciar esse ritual é compreender a alma de Alter do Chão. Já o espetáculo dos botos é a atração mais moderna, que garantiu ao Sairé o status de grande festival.

O Espetáculo dos Botos: O Coração da Competição
Não se pode falar da Festa do Sairé sem destacar o Festival dos Botos. Inspirado no mito amazônico do boto-cor-de-rosa, que se transforma em um belo rapaz para seduzir as moças, essa é a parte mais grandiosa, colorida e emocionante do evento. Ele espelha o modelo de competição folclórica de Parintins (Festival dos Bois-Bumbás), mas com a sua própria identidade amazônica.
Boto Cor-de-Rosa vs. Boto Tucuxi
O festival é uma disputa acirrada entre duas agremiações folclóricas: o Boto Cor-de-Rosa e o Boto Tucuxi. Cada um representa uma faceta da mitologia do boto. O Boto Cor-de-Rosa (o “sedutor”) se apresenta com cores vibrantes e uma narrativa mais voltada para o romance e a sedução.
O Boto Tucuxi (o “guerreiro”), por sua vez, carrega um simbolismo mais ligado à força, à luta e à bravura dos povos ribeirinhos. Essa dualidade cria uma rivalidade saudável e fervorosa, que mobiliza toda a população e os visitantes. A competição acontece no Sairódromo, uma arena especialmente construída para o evento.

Os Critérios de Julgamento e a Grande Apresentação
As agremiações se preparam o ano inteiro para as apresentações que duram horas. Elas são avaliadas por um corpo de jurados em diversos critérios:
- Alegorias e Cenários: A grandiosidade e a criatividade das estruturas.
- Músicas e Letras: A qualidade e a originalidade das toadas e canções.
- Coreografias e Danças: A precisão, a emoção e a sincronia dos dançarinos.
- Enredo: A narrativa da apresentação e sua coerência com a lenda do boto.
- Figurino: A riqueza de detalhes e o uso de materiais regionais.
O ponto alto é a transformação do boto (um ator) no príncipe, um momento de magia e teatralidade que encanta a plateia. O espetáculo é uma explosão de cores, música, dança e efeitos especiais, uma verdadeira ópera amazônica que narra as lendas da floresta.
Guia Prático para o Visitante: Como Aproveitar o Sairé
Visitar Alter do Chão durante a Festa do Sairé requer planejamento. A vila, que é um destino tranquilo na maior parte do ano, fica lotada. Por isso, a antecedência é a sua melhor amiga para garantir uma viagem inesquecível.
Quando Acontece a Festa do Sairé?
Tradicionalmente, a Festa do Sairé ocorre no mês de setembro, geralmente na terceira semana. As datas exatas são confirmadas a cada ano pela Secretaria de Cultura e Turismo de Santarém (o município ao qual Alter do Chão pertence). É fundamental consultar o calendário oficial com antecedência para planejar a sua estadia e compra de passagens.
Como Chegar em Alter do Chão
Alter do Chão fica a cerca de 37 km da cidade de Santarém, no Pará. A melhor forma de chegar é:
- Avião: Voe até o Aeroporto de Santarém (STM). O aeroporto recebe voos diretos de grandes capitais, como Belém e Brasília.
- Transfer: De Santarém, você pode pegar um táxi, carro de aplicativo ou um ônibus (mais econômico) até Alter do Chão. A viagem de carro leva cerca de 40 a 50 minutos.
Onde Ficar: Hospedagem na Alta Temporada
Durante o Sairé, a procura por hospedagem é altíssima. As pousadas e hotéis em Alter do Chão esgotam rapidamente. Considere reservar o seu quarto com pelo menos 6 meses de antecedência.
- Em Alter do Chão: A melhor opção para estar no centro da ação, mas os preços são mais altos.
- Em Santarém: Uma alternativa mais econômica e com mais opções, mas você terá que se deslocar diariamente (cerca de 1h30 de transporte público ou 40 minutos de carro) até a Vila Balneária.
Roteiro Imperdível: Programação do Sairé
A festa dura em média quatro a cinco dias, com uma programação intensa que vai além da competição dos botos:

1. Rituais Religiosos e Folclóricos
- Busca dos Mastros: A comunidade vai à floresta buscar os troncos que serão enfeitados.
- Emaranhamento: Cerimônia onde os mastros são ricamente decorados com flores, frutas e fitas.
- Derrubamento dos Mastros: Marca o fim dos rituais, com muita celebração e a tradicional bebida chibé (farinha d’água com água e açúcar) sendo servida.
2. Apresentações Culturais na Praça
A Praça do Sairé torna-se o ponto de encontro. Há apresentações de danças regionais, grupos folclóricos e shows com artistas locais e nacionais. É o lugar ideal para sentir o calor do público e provar a culinária paraense.
3. A Competição no Sairódromo
Reserve pelo menos duas noites para assistir à disputa dos botos. Se puder, assista aos dois lados para vivenciar a energia de cada agremiação. A compra dos ingressos para o Sairódromo deve ser feita com antecedência, pois a procura é enorme.
Paladares Amazônicos: A Gastronomia do Sairé
A viagem à Amazônia não é completa sem a experiência gastronômica. Durante o Sairé, a culinária local brilha, oferecendo sabores únicos que refletem a biodiversidade da floresta e dos rios.
Pratos Típicos Que Você Precisa Experimentar
A comida paraense é marcada pelo uso de ingredientes nativos. Prepare-se para uma explosão de sabores exóticos, ácidos e surpreendentes:
- Tacacá: O mais famoso. Uma iguaria que leva tucupi (um caldo amarelo extraído da mandioca brava, que deve ser cozido por dias para retirar o veneno), jambu (uma erva que provoca uma leve dormência na boca), camarão e goma de tapioca. É servido bem quente.
- Maniçoba: Conhecida como “feijoada amazônica”. É feita com as folhas da maniva (mandioca brava), cozidas por uma semana para a eliminação do ácido cianídrico. É servida com diversas carnes salgadas e defumadas.
- Peixes de Rio: Pirarucu, Tambaqui, Tucunaré são obrigatórios. São geralmente assados, grelhados ou fritos, e servidos com farinha d’água e um molho de tucupi.
- Vatapá Paraense: Diferente do baiano, o paraense leva camarão, azeite de dendê e leite de coco, com uma consistência mais cremosa.
A Força das Frutas e Bebidas
Os sucos e sorvetes de frutas amazônicas são refrescantes e imperdíveis. O Açaí na Amazônia é servido puro, sem açúcar, geralmente com farinha de tapioca ou peixe frito, sendo um alimento salgado e energético. Não deixe de provar:
- Cupuaçu: Uma fruta azeda, usada em sorvetes, doces e sucos.
- Taperebá (Cajá): Um sabor agridoce, excelente para sucos.
- Bacuri: Uma fruta de polpa branca e aroma forte, muito usada em mousses e doces.
Além do Sairé: O Que Fazer em Alter do Chão
A Festa do Sairé é a atração principal, mas a beleza natural de Alter do Chão merece ser explorada com calma. A vila é a porta de entrada para a Floresta Nacional do Tapajós.
O Lago Verde e a Ilha do Amor
O cartão-postal da vila. O Lago Verde é um espelho d’água com a tonalidade esmeralda, que se conecta ao Rio Tapajós. Durante o período da vazante (geralmente de agosto a janeiro), surgem as praias fluviais. A Ilha do Amor é a mais famosa, uma extensa faixa de areia que pode ser acessada de canoa ou, dependendo do nível do rio, a pé.
Passeios Imperdíveis de Lancha ou Barco
Para explorar a região, contrate um passeio de barco. Há diversas opções, incluindo a visita a comunidades ribeirinhas e a igarapés (braços do rio).
- Canal do Jari: Um passeio para ver a floresta alagada e a vida selvagem, como macacos e preguiças.
- Floresta Encantada: No período de cheia, os barcos navegam por entre as árvores alagadas, um cenário mágico.
- Comunidade de Piraí: Visita a uma comunidade para conhecer o trabalho artesanal local e a vida simples do ribeirinho.
O Impacto Socioeconômico e o Turismo Sustentável
A Festa do Sairé é um motor econômico crucial para Alter do Chão e Santarém. O turismo gerado pelo evento sustenta milhares de famílias, desde donos de pousadas e restaurantes até artesãos, guias turísticos e os próprios membros das agremiações dos botos.
É fundamental que o visitante pratique o turismo sustentável. Isso significa respeitar a cultura local, os rituais sagrados da festa, a natureza e as comunidades. Opte por comprar o artesanato local, valorizar os guias da região e consumir produtos de produtores familiares. A preservação do Sairé e de Alter do Chão depende da consciência de todos.
Riqueza de Detalhes: A Arte dos Artesãos
Os figurinos e alegorias dos botos são verdadeiras obras de arte. Artesãos locais, carpinteiros, costureiras e pintores trabalham incansavelmente. Eles utilizam materiais da região, como fibras de árvores, sementes, palhas e penas, criando peças que são um show de criatividade e técnica. Visitar os galpões de produção (se permitido) é uma aula de arte popular amazônica.
Glossário do Sairé: Termos para Entender o Festival
Para quem é de fora, alguns termos regionais podem ser novidade. Aqui está um pequeno glossário para você se integrar ainda mais na cultura do Sairé:
- Sairódromo: A arena de apresentações onde ocorre a competição entre os Botos.
- Toada: A canção ou música típica do festival, com letras que contam lendas e histórias amazônicas.
- Língua de Palha: A dança ou o ritual inicial que convoca as agremiações.
- Ribeirinhos: Pessoas que moram nas margens dos rios, com um modo de vida tradicional ligado à pesca e à agricultura familiar.
- Chibé: Bebida local, simples e refrescante, feita de farinha d’água misturada com água e, por vezes, açúcar.
Conclusão: Uma Lenda Que Você Precisa Viver
A Festa do Sairé em Alter do Chão é mais do que um festival; é uma experiência transformadora. É a oportunidade de testemunhar a resiliência da cultura amazônica, a beleza de seus mitos e a paixão de um povo que luta para manter suas tradições vivas. Entre os rituais místicos do Sairé, a vibração intensa da disputa dos botos e a beleza estonteante da natureza local, você encontrará uma viagem que permanecerá em sua memória.
Este evento é a prova de que o Brasil guarda tesouros culturais inestimáveis, capazes de emocionar e educar. Planeje sua viagem, reserve com antecedência e prepare-se para ser seduzido pela lenda do boto e pelo encanto de Alter do Chão.
Chamada para Ação (CTA)
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Belisa Everen é a autora e idealizadora do blog Encanta Leitura, onde compartilha sua paixão por explorar e revelar as riquezas culturais do Brasil e do mundo. Com um olhar curioso e sensível, ela se dedica a publicar artigos sobre cultura, costumes e tradições, gastronomia e produtos típicos que carregam histórias e identidades únicas. Sua escrita combina informação, sensibilidade e um toque pessoal, transportando o leitor para diferentes lugares e experiências, como se cada texto fosse uma viagem cultural repleta de aromas, sabores e descobertas.